Tragédia anunciada: matança DENTRO da escola, aqui no Rio!

Recebi por email esta mensagem da minha amiga “virtual” Regina Milone.

Está também lá no blog dela, e como comentário em minhas reflexões por aqui.

Pedi autorização para postar também, como mais uma colaboração dos leitores.

É importante a voz dos educadores neste processo, pois pela televisão só falam os jornalistas, policiais, políticos…

Sinto falta de ouvir pela grande mídia os professores, os educadores, aqueles que estão DENTRO das escolas, dando a cara a tapa.

Abraços,

Declev Reynier Dib-Ferreira
Dando a cara a tapa

Amigos,

É isso: tragédia anunciada.
Mais uma.
Em todos os sentidos.

E de tudo que podemos pensar e sentir diante desse horror de hoje, dessa chacina na escola pública de Realengo, infelizmente uma coisa não me vem: surpresa.

Porque o que aconteceu hoje é só mais um capítulo do ABANDONO, em todos os sentidos, com o qual as crianças, os adolescentes e os profissionais das escolas, principalmente das públicas, têm que lidar há muito tempo, diariamente.

O assassino era ex-aluno da escola? Excessivamente introvertido? Filho de mãe esquizofrênica e suicida? E que andava parado em frente a escola há meses, olhando, olhando, além de tudo que dizia para os parentes sobre seu desejo de, por exemplo, derrubar algo com aviões, como fizeram nos EUA? Enfim… Tantos sinais, há tantos anos e NUNCA um tratamento médico adequado, um encaminhamento adequado da escola e/ou da família, o mesmo empurra-empurra de sempre, cada qual sempre achando que fez a sua parte e, enquanto isso, esse rapaz adoecendo mais e mais a cada dia, até causar essa tragédia…

É com esse descaso que tanto a Saúde quanto a Educação Públicas são tratadas politicamente em nosso país!

E aí, quando algo horrível assim acontece, tentam vender a idéia de que foi fato isolado, uma infelicidade, um caso de doença mental (realmente é, também, mas o indivíduo poderia ter sido tratado e, assim, até evitado chegar a esse ponto!) ou de pura maldade individual, etc. e tal.

Mas foi muito mais do que isso!!!!!

Foi fruto, repito, do descaso político que não oferece condições mínimas e decentes para que se possa fazer um trabalho digno nas escolas e hospitais públicos.

Foi fruto da ignorância, do despreparo e do preconceito que impediu que todos que conviveram com esse futuro assassino, durante toda a sua vida, vissem algum sinal de perigo, de alerta, de necessidade urgente de cuidados especiais…

Foi fruto do fanatismo religioso, que é tão presente em tantas religiões e pessoas, que estimulam e difundem essa idéia de dividir as pessoas em “puras” ou “impuras”, “castas” ou “perdidas”, em pleno século XXI!!!!!! Não foi à toa que ele matou mais meninas do que meninos!! Não acredito que isso tenha sido “coincidência”. Até porque ele é descrito, por parentes e vizinhos, como muito tímido e como alguém que nunca teve namorada. Então…

Trabalhando em escolas, cansei de ouvir, durante anos, muita gente dizendo o quanto essas meninas de hoje, justamente essas da idade das que ele matou, estão “atiradas” demais, “galinhas”, seduzindo o tempo todo, “safadas”, “vagabundas”, etc. Perdi as contas de quantas vezes ouvi isso, inclusive em reuniões pedagógicas, com todos os profissionais das escolas ali, a maioria vendo as coisas dessa maneira! Um machismo fora de época, alimentado pela ainda tão presente violência contra a mulher, muitas vezes alimentada pelas próprias mulheres!

Não tenho a pretensão de traçar um quadro completo de nada. Estou sob a emoção do que aconteceu, podiam ter sido alunos com os quais convivi, podiam ser as famílias que conheci que estivessem agora desesperadas, enterrando seus filhos e netos, enfim…

O povo está abandonado!!!! Os educadores e os profissionais da Saúde TAMBÉM, em grande parte, e, assim, não têm como dar conta de todo esse contexto sem uma política decente, sem verbas (e como elas são desviadas nas áreas de Educação e Saúde, meu Deus!), sem um Serviço Social também com estrutura para ajudar a lidar com as famílias, isto é, sem um trabalho conjunto entre Saúde, Educação e Assistência Social nesse país!

As escolas têm turmas lotadas, mal refrigeradas (super calorentas, em geral!) e mal iluminadas, faltam materiais didáticos básicos, faltam profissionais, um segmento acusa o ou os outros o tempo todo – famílias, professores, alunos, direção, pedagogos, funcionários… todos os segmentos! -, o estresse é geral, assim como o cansaço, e o clima de guerra é constante e volta e meia explode, de alguma forma, aqui e ali. Cada hora é um que agride o outro, que perde a paciência, o respeito… Acontecem ameaças, intimidações, xingamentos… Não vejo “vilões” na maioria dessas agressões (não estou dizendo que são “coitadinhos” também! não é isso!!) e sim atitudes que são frutos de uma estrutura falida e de uma perversidade política antiga em nosso país, onde continua interessando aos mais ricos que os mais pobres venham a ser, um dia, no máximo, mão-de-obra barata! E olhe lá!

E, pra que isso possa se perpetuar, não há interesse em realmente se investir em Saúde e Educação, é claro!

Como pedagoga encaminhei para tratamento crianças e adolescentes com sérios problemas psicológicos e/ou psiquiátricos muitas vezes, mas, na imensa maioria dos casos, nada acontecia e, mesmno dentro da própria escola, alguns alunos já iam ficando marcados, não só pelos coleguinhas, desde crianças, como meio “malucos” ou qualquer coisa assim. Suas identidades iam sendo construídas dessa maneira. Em casa e na escola. E, nos casos em que as famílias realmente se empenhavam em levar os alunos que encaminhávamos (eu e as outras pedagogas), muitas vezes não conseguiam vagas, horários, eram mal atendidas, os locais de atendimento eram muito longe e elas não tinham nem como pagar passagens para ir ao menos quinzenalmente lá, as crianças e adolescentes também não queriam ir pra não serem considerados definitivamente como “malucos” por todos com quem conviviam e, assim, as famílias acabavam parando de levá-los.

E o Conselho Tutelar? Quantos casos de violência, física e psicológica, negligência, situações de risco, etc., nós relatamos, encaminhamos, denunciamos e pedimos ajuda e… nada! Na maioria das vezes, nada é feito.

E olha que esses são só alguns poucos exemplos de um quadro que é cada dia mais terrível e que faz com que quem trabalha nessas áreas, como eu, nos sintamos cada vez mais impotentes e machucados.

Enfim… Existe muito a se pensar e sentir sobre tudo isso, sobre esse drama terrível de Realengo, sobre a total falta de segurança e abandono das escolas e hospitais públicos, sobre as doenças mentais mal diagnosticadas e mal tratadas e que ainda são vistas com tanta ignorância e preconceito, sobre a importância de se levar a sério o bullying, sobre a importância de se observar mais o aluno calado demais porque pode ser justamente o que mais está precisando de atenção e ajuda e a ponto de explodir a qualquer momento (mas como os quietinhos “não dão trabalho” e as turmas são lotadas… eles acabam nem sendo percebidos direito…), sobre os profissionais de Educação e Saúde com Síndrome de Burnout e “n” outras doenças, somatizações, vindas do estresse, do medo, da baixa auto-estima, da desvalorização de suas profissões que, na verdade, são as mais fundamentais para a construção de uma nação, enfim… LOUCURA É TUDO ISSO JUNTO!!! E/ou é fruto de tudo isso. Falar dessa “loucura” que aconteceu é falar sobre tudo isso junto!

Por isso não me surpreendi com a tragédia de hoje, embora tenha doído muito aqui dentro e embora tenha ficado indignada, com raiva, com pena, solidária àquelas famílias e, principalmente, àquelas crianças e adolescentes… Quanta tristeza, quanta covardia, quanta doença, quanto abandono, quantas vidas tão jovens indo embora assim, violentamente, brutalmente, estupidamente!

Que mundo é esse??? Onde vamos parar???

O que devemos fazer???

Só mais uma coisa, gente: o rapaz escolheu em quem atirar, segundo os relatos, e não foi nos professores e sim nos alunos.

Pensem sobre isso também, antes de acharem que os professores são as únicas e principais vítimas de todo o descaso político com que a educação pública é tratada em nosso país.

Nesse caso as vítimas foram ALUNOS, crianças e adolescentes!

Um abraço…

Cansada e triste demais com tudo isso…

Regina Milone

Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

2 thoughts on “Tragédia anunciada: matança DENTRO da escola, aqui no Rio!

  • 09/04/2011 em 18:56
    Permalink

    Obrigada por postar meu texto aqui, Declev!
    Todas as reflexões sobre esse assunto, nesse momento, especialmente de quem vive ou já viveu essa realidade de perto, de dentro das escolas, podem contribuir agora, na minha opinião.
    Abraços pra vc, meu amigo “virtual” (rsrsrs…),
    Regina.

    Resposta
  • 10/04/2011 em 12:32
    Permalink

    Caro Declev

    Tentei enviar eesta mensagem via e-mail, mas excedeu o número de caracteres, por isso sirvo-me deste espaço para enviá-la:

    Caro colega

    A vitória na questão do piso foi um importante passo. Agora vem a votação do terço de tempo extraclasse.
    Entendemos que cabe a todos nós trabalhar para mobilizar a categoria para a defesa dos nossos interesses.

    Engajados nesta luta, o blog do Euler criou este Abaixo-assinado no site da Petição Pública:http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N8716

    “Prezados Senhores ministros do STF:

    Em nome de dois milhões de professores do ensino público do Brasil e de 50 milhões de estudantes, agradecemos o correto posicionamento que adotaram em relação ao piso do magistério, no julgamento da ADI 4167. Nada mais justo do que considerar o piso enquanto piso mesmo, e não teto, como queriam alguns. Mas, ainda falta julgar um dos pilares da lei do piso, que é o terço de tempo extraclasse para que os professores e professoras realizem suas atividades de preparação de aula, correção de provas, pesquisas e atendimento à comunidade. De maneira alguma este tema viola o pacto federativo. Pelo contrário: ele procura assegurar a todos os brasileiros, igualmente, um mínimo de qualidade na educação, advinda de um profissional que precisa de tempo fora da sala de aula para desenvolver o seu trabalho. Deixar tal prerrogativa para o critério particular de prefeitos e governadores é condenar milhares de professores a uma sobrecarga de trabalho e a condições inadequadas para o bom desempenho do magistério. É condenar também os alunos, a maioria dos quais de famílias de baixa renda. E isso sim, agride o pacto federativo. Quanto ao problema orçamentário que tal medida poderá provocar, é preciso levar em conta que a lei do piso prevê a cooperação entre os entes federados, estando a União obrigada a socorrer aquele prefeito ou governador que provar que não pode pagar o que manda a lei. Por isso, pedimos encarecidamente aos senhores ministros do STF que rejeitem integralmente a ADI 4167 e proclamem a constitucionalidade da lei do piso do magistério, tão duramente conquistada, após anos de sobrevivência no exercício de uma carreira tão importante para a nossa sociedade, mas tão maltratada.

    Os signatarios

    O blog S.O.S. Educação Pública apoia o Abaixo-Assinado e convida os colegas blogueiros para formarmos uma união de blogs empenhada na divulgaçao desse abaixo assinado.

    Atenciosamente

    Graça Aguiar

    Resposta

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