Cobaia

Leitores sensíveis, não leiam. É apenas mais um desabafo pessimista.

Não digam que não avisei.

Sinto-me um cobaia, um professor cobaia.

Pego meus sentimentos, apreensões, sofrimentos e os transformo em observações, escritas para quem quiser ler.

Quem quiser saber / ver como é a escola por dentro, observar as entranhas, acompanhar a movimentação do Professor Truman, é só ligar o computador.

Às vezes são sentimentos que gostaria de ver sufocados, escondidos, suprimidos.

Mas vamos lá…

Tenho nojo de certos alunos ou alunas. Frase forte, mas real.

Tenho ânsias antes de determinadas turmas, especialmente no tempo presente, no qual me sinto absolutamente sem forças nem vontade de fazer nada.

Sinto uma frustração tão grande, uma frustração por não conseguir nada, não fazer nada, não mudar nada.

Entro em sala. Uma “daquelas”.

Em 5 minutos de aula, voam bolinhas de papel, arrancados dos cadernos em direção à lixeira – apesar de por muitas e muitas vezes ter falado sobre o desperdício de papel, a relação com o corte de árvores, com o plantio de áreas extensas, etc.

Passam-se duas aulas inteiras – cerca de 1:30h – sem ao menos 5 minutos de silêncio (não seguidos!), sem ao menos 5 minutos sem ficarem se xingando, se batendo, se sacaneando… – apesar de por diversas vezes ter conversado sobre amizade, conversas sem xingamentos, futuro, etc.

Estou frustrado e absolutamente desmotivado de dar aulas.

Não sinto vontade de dar bom-dia.

Tenho que vencer uma resistência de castelo medieval para fazer a chamada porque, para tanto, tenho que falar os nomes dos alunos.

É claro que há turmas em que este sentimento é nítido e forte, e há turmas em que ele se apresenta moderado. Há alunos que tolero – e até gosto de conversar – e há alguns que não consigo nem olhar, sob o risco de passar mal.

Mas o fato é que sinto uma frustração que não consigo descrever nem mesmo comparar.

E ela vem quando percebo que, após 10 anos de tentativas, ideias, leituras, estudos, reflexões, brigas, planejamentos, a escola é a mesma; aliás, é pior.

Os alunos são piores, ladeira abaixo em caminhão sem freio.

Tudo o que tenho – ou o que vejo à minha frente –  é uma turma de mal educados desinteressados no que tenho a oferecer, um livro e um quadro negro agora branco.

Fora isso, a cobrança da sociedade: pais, mães, secretaria de educação, sociólogos, polícia, conselho tutelar, direção, todos acham que o responsável pelo que eles não aprendem somos nós, professores.

E somos também responsáveis pelo seu mal comportamento, sua má educação, seu envolvimento com a violência, seu fracasso na vida e na sociedade.

Mas se aprendem, foi por conta de um projeto externo à escola, nunca por nosso mérito.

Tudo é culpa do professor, que é mal preparado, mal formado, que falta, que não planeja, que não faz por merecer o salário milionário que pagam a ele.

Nós deveríamos ser presos!

Declev Reynier Dib-Ferreira

Professor Truman

Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

6 thoughts on “Cobaia

  • 25/10/2009 em 09:17
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    Oi, Declev!
    Quando a depressão se instala, vermos o lado negativo de tudo e nos sentirmos sem saída é exatamente o que acontece. Por isso já te escrevi sobre isso, tentando ajudar…
    Você já pensou em mudar de escola (algumas são melhores, viu?!)? Já pensou em trabalhar com jovens e adultos? Ou com crianças? Já pensou em participar de trabalhos de Educação via 3º setor?
    Tenho certeza de que pelo menos uma dessas coisas iria te ajudar!
    Quanto aos alunos… Por mais difícil que seja lidar com a agressividade e desinteresse que demonstram cada vez mais, tente não esquecer que, no final, eles é que são as maiores vítimas do estado atual da Educação, já que nós, mal ou bem, conseguimos estudar, nos formar e trabalhar na área que escolhemos e eles podem não chegar nem perto disso (a maioria não chega).
    Vc sabe que também vejo os políticos e políticas públicas como os maiores responsáveis por tudo isso e não os professores. Mas, infelizmente, a formação dos professores e dos educadores em geral, especialmente para lidar com a realidade das escolas públicas hoje, está falhando muito realmente. E isso dificulta tudo mais ainda.
    Na minha opinião, tinham que ser feitos esforços conjuntos entre os profissionais da escola para focar no ponto “valor da escola hoje”, construindo esse sentido junto com os alunos e suas famílias, ouvindo-os primeiro, antes de levar qualquer coisa. Se isso não anda, nada mais anda. E isso é demorado, custoso, envolve um imenso trabalho coletivo de rever costumes, preconceitos, diferentes culturas… Mas, sem isso, realmente acho que todos os esforços dos bons professores continuarão sendo desperdiçados, eles ficarão cada vez mais céticos e estressados (como está acontecendo com vc…) e, juntando isso ao nível de pobreza extrema, não só material, das comunidades com que trabalhamos (clientela das escolas públicas hoje), só vai ficar tudo cada vez pior realmente.
    Me formei em 1986 e realmente está bem pior agora.
    Um abraço,
    Regina.

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  • 25/10/2009 em 21:42
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    Caro Declev,
    A escola reflete tudo de bom e de podre que uma sociedade tem. Ultimamente, só dá lado podre. Portanto está realmente difícil se fazer um trabalho. Seja ele bom ou ruim. Em algumas escolas, existe a possibilidade de se TENTAR desenvolver algum trabalho mas, mesmo nessas escolas, o resultado é quase inexistente porque os alunos, em sua maioria, não acreditam que a Escola vá lhes trazer algum benefício nem a médio, nem a longo prazo.
    Eu já disse e repito: Gosto do meu trabalho, encaro cada dia de minha vida na escola como um desafio e compro a briga mas não tenho ilusões. Tem muita luta pela frente pra quem PUDER lutar. Em muitos momentos, dá vontade de desistir e , nesses momentos, encarar um aluno, fica mesmo difícil! Mas quem, como nós, ainda está dentro é porque tem muito a dizer. Muito a fazer. Não é por comodismo não porque oportunidades de novos trabalhos aparecem. A gente, teimosa como você, é que não vê. Quando leio os seus desabafos me lembro de todas as nossas reuniões de centro de estudos, de capacitação, seja na escola, seja na CRE, seja na SME, seja no ambiente de trabalho ou do sindicato.Nessas reuniões, todos( os professores) têm o mesmo sentimento de impotência e de tracasso. Nesse aspecto acho que nossos governantes, infelizmente, estão tendo o maior sucesso : estão conseguindo convencer, não só a sociedade como a nós professores, de que somos os únicos responsáveis pelo fracasso da educação, da convivência pacífica, da democracia, do progresso, …
    A saída, a solução, ainda está muito longe e difícil de se achar mas tenho uma certeza: sozinhos, não vamos encontrar essa saída. Nessa hora, só a organização pode dar conta de tanto trabalho e luta. Por mais fraco e corporativo que esteja o nosso sindicato, hoje, é ele que tem condições de impor um novo caminho para o enfrentamento de todas essas questões; sem perder de vista quem deve apontar esse novo caminho: nós professores.
    Um abraço, Dirce.

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  • 25/10/2009 em 21:50
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    …a gente, teimosa,como você, na esperança de fazer um trabalho decente na educação, é que não vê.

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  • 26/10/2009 em 09:53
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    Caro Declev,

    Mais uma vez você nos brinda com um texto repleto de coragem e emoção.
    Mesmo através de uma página de internet, é muito difícil assumir publicamente os sentimentos que você expôs neste e em outros artigos anteriores.
    Dificilmente encontrarão professores que não sentem, já sentiram ou sentirão repulsa a alguns alunos.
    Acredito que as nossas esperanças devem estar depositadas exatamente no inverso, naqueles alunos (sei que a cada ano este grupo diminui!) que nos fazem sentir prazer em ensinar, que nos dão orgulho.
    O difícil neste caso é fazer com que o primeiro grupo não sugue todas as nossas forças e nos faça perder a vontade de lecionar.
    Me identifico com sua angústia e apenas lhe desejo força… pois a realidade não mudará…infelizmente!
    A educação no Brasil é uma piada… e o pior- não tem a mínima graça!

    Abraços!

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  • 27/10/2009 em 03:27
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    Amigos,
    Não atuo como professora atualmente – já atuei! -, mas também trabalho em escola pública, como vcs. E sofro, me estresso, me desencanto um pouco mais a cada dia… Mas, principalmente, fico indignada com os políticos e com o estado atual de guerra nas escolas. É tudo muito desgastante e triste…
    Mas peço que prestem atenção para que não tentem consertar um erro cometendo outro!!!
    Se há ótimos professores – com certeza! conheço vários!!!! -, também há péssimos! Infelizmente já me deparei com professor pedófilo, professor que xinga e bate em criança, que só sabe berrar e humilhar alunos (crianças e adolescentes), que se fecha totalmente pra qualquer projeto ou trabalho coletivo, se isolando e apenas reclamando ou se acomodando, entre outras coisas. Infelizmente, repito, esse tipo de “péssimo professor” é muito mais comum do que eu gostaria…
    Então, para acabar com a culpabilização excessiva do professor, feita hoje em dia por muitos (embora, recentemente, até mesmo uma novela global tenha colocado uma professora como vítima e não como culpada de nada… lembram? isso também é significativo!), não se pode partir pra cima do aluno, culpando-o por algo feito e organizado por adultos e não por ele!
    Nossos alunos são crianças e adolescentes!!! Não são mini-adultos! Não podemos esquecer disso!!
    E isso significa que não possuem, ainda, condições para compreender determinadas coisas com a maturidade de um adulto e crescer com essa compreensão, buscando mudar pra melhor. Aliás, se grande parte dos adultos nunca faz isso, mesmo tendo condições, pelo menos a nível de maturidade psicológica para tal, como querer que alunos, que nem adultos ainda são, façam isso? Eles vêm de uma realidade que não vivemos diariamente, ou será que nós também crescemos na favela vendo pessoas, DENTRO DAS NOSSAS CASAS E DE NOSSOS VIZINHOS, sendo abusadas sexualmente, espancadas, torturadas e mortas a todo momento, como se tudo isso fosse a coisa mais natural do mundo???
    Nós acompanhamos tudo isso, lemos nos jornais, ouvimos tiros (muito menos e mais distantes do que o que eles ouvem), somos assaltados, fugimos de arrastões e, aqui e ali, esbarramos com uma violência ainda maior sim. Mas eles convivem cara a cara com ela todos os dias desde que nascem!!! E muito de perto!!!
    Como crianças que crescem assim podem ser adolescentes tranquilos, respeitosos e com bons valores??????? E não adianta dizer que muitos são, mesmo dentro dessas condições adversas, como se fosse apenas uma questão de esforço pessoal e força de vontade, porque, infelizmente, estes que conseguem ser tranquilos e respeitosos hoje em dia é que são as exceções…
    É óbvio que crianças e adolescentes precisam de limites (!!!!!!!), precisam aprender que tudo na vida tem consequências, mas como convencê-los disso se vivemos no país da impunidade, se nossos alunoscrescem em meio a miséria, sem a atenção, o carinho e os cuidados necessários, aprendendo desde cedo a levar vantagem em tudo, pois é assim que a sociedade funciona, e convivendo com a banalização de todas as formas de violência desde cedo, aprendendo a ser “marrentos” para poder sobreviver no meio onde vivem, entre outras coisas???
    Repito: trabalho em escola pública, como vcs. E não tem um dia em que eu não veja ou ouça alguma história muuuuito triste envolvendo TUDO ISSO (abusos e violências de todos os tipos) que relacionei acima.
    Não é só o professor que está ficando doente (e com razão, diga-se de passagem). Não é só ele.
    É o povão mesmo que está adoecido, largado e, contrariando esse papo de que brasileiro é “cordial”, tem se revoltado de forma torta, violenta, achando que está se safando, sendo “esperto”, sem perceber que está sendo mais manipulado do que nunca e que suas crianças e adolescentes estão indo pelo mesmo caminho cada vez mais cedo!
    A sociedade está adoecida!!! Em muitos sentidos!
    Mas, mesmo sabendo de tudo isso, dá raiva de aluno grosseiro e agressivo? Dá! Claro! Somos humanos!!
    Mas tentem colocar em perspectiva!
    Se os professores, em grande parte, são vítimas desse estado de coisas atual, não esqueçam que os alunos são mais ainda!!!
    Já gritei, ameacei chamar a diretora (muitas vezes chamei, assim como a inspetora, os pais dos alunos, etc.), perdi totalmente a paciência, fui roubada, recebi ironias e deboche, e, por causa de tudo isso, fiquei com muita raiva de vários alunos sim, como vcs, principalmente em situações de sala de aula, mas respirei, contei até mil, lembrei que a adulta e a profissional ali era eu e, então, não me permiti ir além disso (ficaria péssima comigo mesma se extrapolasse).
    Sim, já trabalhei com adolescentes e crianças dentro de salas de aula lotadas, como vcs, e acho ABSURDO (luto contra isso!! acho que com salas lotadas fica-se impossível trabalhar!), mas fora das salas de aula os alunos são bem melhores de se conviver! Levem-nos para um passeio, por exemplo, e se surpreenderão, inclusive com aqueles que parecem “não ter jeito” e com aqueles que parecem não se interessar por nada.
    Garanto a vcs que esses alunos, os mais “difíceis”, não nasceram assim. Infelizmente vi muitos serem “construídos” assim, formados assim, dia a dia, pela sociedade, pelas famílias e, também, pelas escolas, que continuam excluindo, excluindo e excluindo sem parar!
    Trabalhar em escola pública é fazer trabalho social mesmo, no sentido mais amplo da palavra, cada vez mais.
    E cada beleza e feiúra que vemos em nossa sociedade, diariamente, veremos ali também, querendo ou não.
    Queremos mexer nesse vespeiro ou não? Queremos encarar de perto os frutos, muitas vezes podres, dessa sociedade perversa e injusta em que vivemos? Seremos mais felizes e, ao mesmo tempo, mais úteis, se trabalharmos de outra forma, em outro lugar (em faculdades, por exemplo, ou no terceiro setor…)???
    Tenho me feito essas perguntas diariamente, mas ainda não tenho as respostas…
    Também estou exausta, irritada e desgastada como vcs (muitas vezes por causa de vários professores e não de alunos, infelizmente…), mas me recuso a aderir a essa guerrinha absurda onde ora o professor é visto como vítima, ora como vilão, ora é o aluno que é visto assim, ora são os pedagogos, ora as famílias… quando, na verdade, todos somos em parte vítimas e em parte responsáveis por tudo que vivemos, cada um dentro dos limites de suas possibilidades, é claro (idade, classe social, bagagem cultural, etc.).
    Estou escrevendo aqui, mais uma vez, porque acho que todos crescemos quando podemos olhar as coisas por vários ângulos e, por isso, escrevermos só pra concordarmos com tudo, uns repetindo os outros, pode confortar por um lado mas, por outro, não me parece que leve a nenhum lugar, a não ser a um beco sem saída…
    Estou exausta……..
    Mas espero que todos nós consigamos, de alguma forma, participar da mudança desse mundo enlouquecido que criamos e que iremos entregar aos nossos filhos um dia. Será que conseguiremos?…
    Um abraço,
    Regina.

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  • 24/11/2009 em 17:25
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    Descobri seu blog por acaso e estou me fartando de ler seus artigos, alguns podem achar pessimista, mas eu vejo como a pura realidade. A escola com o decorrer dos anos mudou, os alunos também, os professores também. A sociedade mudou como um todo. Hoje em dia estou cursando Gestão Ambiental na modalidade EAD – Metodista – SP e mesmo convivendo com pessoas mais maduras percebo em alguns o comportamento desinteressado que você citou dos adolescentes. Estamos numa longa estrada, procurando uma saída. Não podemos desistir, você não pode desistir. Um abraço.

    Resposta

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