O que a profissão faz com a gente: confissões de um professor e seus traumas

Percebi-me hoje altamente intolerante. Na verdade, não é só de hoje que percebo isso, mas a reflexão interna veio agora.

Fico neuvôso só de ver alunos de uniforme nas ruas…

É sério. Não ria!

Estava no ponto de ônibus, de manhã, de mau humor por tudo, quando parou, do outro lado da rua, um ônibus de excursão com crianças na janela, que já vieram com ele em movimento falando com as pessoas na rua.

Eiiiii, oÍÍÍÍÍÍ !!!”… As mãos dando tchau.

Não estavam mexendo de forma ofensiva nem nada. Mas antes mesmo do ônibus parar, já entreouvindo aquelas vozes infanto-juvenis gritando, em milésimos de segundo minha mente já elocubrou: “lá vem um ônibus cheio de alunospestestraumatizantesmexendocomtodos!”.

Quando ele veio parando, do outro lado da rua – portanto na direção oposta para onde eu estava olhando – dei uma espiada de rabo de olho e vi a cena dantesca: um ônibus de turismo se aproximando, cheio de traumas crianças com as cabeças nas janelas, acenando e gritando aos transeuntes e paradeuntes.

Um destes infelizes era eu.

Virei o olhar, antevendo o inevitável, comecei a ler meu jornal, fingindo que nem vibravam meus tímpanos.

“Ei, você!”.

Devia ser pra mim…

“Ei, você lendo jornal!”.

Sim, definitivamente, era pra mim!!!

Pose de intelectual surdo.

“Ei bonitão!” (isso fica pela minha licença poética…).

Eu nem aí, já quase suando frio porque o sinal fdp não abria.

Pára um ônibus no ponto onde eu estava, entre mim e eles. Vou me escondendo, aliviado.

Enquanto o ônibus-tapume estava lá, vi um senhor acendando a eles, tímido, educadamente, ao ser convidado a tal. Certamente não é professor…

Chego mais pra trás, na esperaça de que se distraiam com outros e me esqueçam. Quimera…

Quando meu biombo ambulante ambula, tornam a mim, mas com menos ênfase. A mesma pose de intelectual lendo jornal, alheio a tudo, absorto nas catástrofes diárias.

Por sorte chega o meu e subo aliviado…

Chego à conclusão, óbvia, de que aturar todas aqueles adolescentes em plena ebulição hormonal tá me traumatizando.

E eu ainda nem tive filhos! 

Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

4 thoughts on “O que a profissão faz com a gente: confissões de um professor e seus traumas

  • 04/06/2008 em 02:20
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    Aconteceu comigo também hoje! Era um ônibus de rua e a molecada estava nos bancos de trás. Não parou em sinal nenhum, mas eu olhei para ele na hora em que passou (eu andava pela calçada). O moleque abusado quis me pregar uma peça, dizendo que tinha caído alguma coisa da minha mochila, provavelmente para eu olhar para trás e ele rir de mim. Minha reação foi instintiva: botei o dedo médio em riste. Acho que ele não esperava e botou a cabeça pra dentro, meio sem graça, enquanto os outros riam dele. Será que foi uma boa lição (na prática, eles respeitam quem é malicioso, e não bonzinho)? Ou será que também estou ficando traumatizado?

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  • 04/06/2008 em 11:20
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    É Rogério… estamos ficando traumatizados…

    O pior é que, às vezes, este trauma não nos deixa discernir a “casca do amendioim” (versão tupiniquim do “joio do trigo”).

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  • 09/06/2008 em 18:42
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    Tem coisas legais… sempre! mas estamos doentes… ou somos…

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  • 09/06/2008 em 23:01
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    Será que não conseguiríamos, Rogério, os professores que queremos algo diferente – e sabemos que somos a minoria – fazer algo diferente com estes “legais”?

    Será que não deixaríamos de ficar – ou ser – doentes?

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